quarta-feira, 12 de junho de 2013

Raça, conceitos, Nietzsche e outras peripécias

 
 
Ao terminar a leitura do artigo de Guimarães, não pude deixar de me remeter a um estudo que me provocou bastante. Nietzsche sempre me encantou, desde seu Ecce Homo, o primeiro que li dele, apesar de ter sido o último publicado, e todos os outros livros deste grande filósofo que tive a oportunidade de ler, me trouxeram inquietações. Contudo, o estudo que me refiro não é do próprio, mas de Moisé(2005) que nos desmistifica toda a grande política da linguagem na visão do filósofo. Para ele todos os conceitos e signos não passam de uma negação da vida pela ideia, “o mundo, tal como se apresenta aos seres humanos, é pura transformação, e nenhum conceito capta tal maneira de existir”(Moisé, 2005).
 
No entanto, o que o artigo representa é uma enxurrada de conceitos em que o próprio homem se encarcerou, onde a vontade de nivelamento e a medo da pluralidade, o faz procurar subterfúgios em definições linguísticas e simbólicas, que desde o princípio a relação com os signos foi marcada por uma vontade de verdade. Pois é isso, para Nietzsche que define o homem, a linguagem, a capacidade de produzir conceitos com base nas“esquematizações das impressões” e é através desses conceitos, desta linguagem que os sistemas são mantidos, principalmente os de leis, de castas e os de (por que não dizer, para adentrar na discussão?) “raças”.
 
Já não bastasse a criação dos conceitos, o homem, por sua vez, acadêmico, cientista social, o dividiu em duas categorias: o conceito analítico e o conceito nativo.
 
O conceito analítico podemos entender como o próprio conceito acadêmico, onde será utilizado para analisar determinados fenômenos das relações sociais. Ele terá “sentido apenas no corpo de uma teoria”(p.63), que poucas pessoas terão acesso, além dos próprios acadêmicos. O conceito nativo, já é o conceito do mundo prático, efetivo, real. O conceito vivenciado pelas pessoas comuns, as próprias pessoas e relações do grupo que possivelmente poderá ser pesquisado.
 
O autor da prosseguimento a explicitar cada conceito sociológico estabelecido, seja analiticamente ou nativamente, como de nação, classe, comunidade, etc. Julgo não ser necessário, abster-me em descrevê-los aqui, mas fazer considerações importantes sobre certas assertivas de Guimarães. Principalmente pelo conceito mais evidenciado.
 
A trajetória que o termo raça vai seguindo pela história é tortuosa e infindável. Por vezes é classificatório, por outras pejorativo e também podemos encontrá-lo em situações ‘ufanistas’. Através dessa viagem pela transvaloração conceitual do termo, nos é afimado mais uma vez quão transitório são os significados e símbolos. Nietzschianamente falando, a linguagem e seus signos tem por princípio já o esquecimento, pois “a função da palavra é esquecer”. É se adequar as necessidades das relações humanas. E nessas relações humanas podemos subentender, se não evidenciar claramente, as relações ideológicas.
 
A ideologia, grande instrumento cultural de dominação, está por trás de toda a manipulação do conceito. Herman(1999) em seu livro analisa o idéia da decadência ocidental, principalmente por um grande preceito: a rejeição a civilização. E como se daria essa rejeição? Simples, através de estudos científicos em que comprovaria que não só os animais não humanos poderiam ser classificados por espécies e subespécies, mas também o animal Homem. Nesse sistema classificatório é que surgem brutalidades aceitas contra centenas de populações em que o único crime eram se enquadrar em conceitos pré-estabelecido pelos acadêmicos e estudiosos da época.
 
Ainda hoje, a discussão sobre se pode ou não falar em raça parece eterna e incessante, como também por vezes, carregada de valores pejorativos e justificativas hipócritas ou não para muitos conflitos sociais, seja para bem ou seja para o mal. Como demonstrado por Guimarães, militantes brasileiros em prol da cultura e ascendência negra chegam a afirmar claramente, que sua cor[1]é parda, mas sua raça é negra. Nos EUA, o sistema do censo classificatório ainda se diz em raça, ‘criando’ raças como latino e oriental.
 
E não seria qualquer raça, todas elas uma invenção? Concordando com Nietzsche mais uma vez, o poder do intelecto não está na simples dominação e sim na crença de que domina, e é através das invenções signatárias que construímos que vamos dominando e sendo dominados. Projetamos aquilo que gostaríamos de ser ou imaginamos que somos nas coisas, nos conceitos, na linguagem. O homem tem a necessidade de “esquematizar, simplificar, traduzir a pluralidade e a função do conhecimento é traduzir o desconhecido em conhecido”(Moisés, 2005).
 
Infelizmente, o homem nem sempre traduz, simplica ou conceitua de forma a perceber no outro a igualdade, a liberdade e a dignidade, tendo amor ao próximo. De toda e qualquer forma, depois da trágica Segunda Guerra Mundial e todas as perdas populacionais, o mundo tem pensado mais no SER humano, repensado nos seus conceitos e principalmente, nos seus pré-julgamentos. Pelo menos, em suas conveções, constituições e leis, os países tem estimulado muito o respeito as diferenças culturais. O que falta são os operadores do direito colocarem cada vez mais em prática essas determinações.
 
Para finalizar, penso que o termo Raça por deveras é ultrapassado. Posto que vivemos em um mundo puramente conceitual, outros poderiam cumprir bem esse papel. Falar em povo, etnia, ascendência, até mesmo nação soa bem mais magnânimo, pois exalta o ser e sua origem e não o classifica.

Referências Bibliográficas
GUIMARÃES, Antônio S. A. Raça, cor e outros conceitos analíticos in SANSONE, Livio, PINHO, Osmundo Araújo (orgs). Raça: novas perspectivas antroplógicas- 2 ed. rev. Salvador : Associação Brasileira de Antropologia : EDUFBA, 2008.
MOISÉ, Viviane. Nietszche e a Grande Política da Linguagem.Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,2005HERMAN, Arthur. A ideia da decadência da história ocidental. São Paulo: Editora Record, 1999.





[1] Guimarães atêm-se também a discutir sobre cor, mas para não ser muito extensa, explicitarei apenas o necessário, que é: cor é o termo classificatório mais utilizado pelo censo hoje no Brasil. Vem da ideia lá de 1950, em que “somos todos brasileiros e por um acidente temos diferentes cores”(p.72), mas não se fala em raça, “esta não existe, quem fala em raça é racista”(p.72).

2 comentários:

  1. Parabéns Barbara pela exposição de suas idéias de forma clara, concisa, e a valentia de defendê-las. Passamos a viver no mundo, quando indagamos o próprio mundo em que vivemos. bjs.

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  2. Olha que engraçado, eu fazendo uma pesquisa sobre a religião persa e entro no blog da minha amiga!!!!!!!! :D

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