segunda-feira, 24 de junho de 2013

Pataxó: Do nordeste para Minas.



Em uma das festividades habituais dos Pataxó de Carmésia/MG, tive a oportunidade de conhecê-los em uma visita técnica da faculdade. Minha inquietude e alegria de estar participando juntamente com os indígenas (minha paixão desde a mais tenra idade) de um dos mais importantes rituais, me fez querer saber mais sobre tudo aquilo e principalmente quem eram eles. Através de várias conversas informais com indígenas de diversas faixas etárias muitas outras questões foram surgindo.

Este é Aruiá (que em Pataxó quer dizer papagaio). Me encantei desde o começo, seus longos cabelos e seu olhar é lindo, não dá pra mostrar na foto a infinita beleza que este garoto de 13 anos contém. Ele me disse que pretende cursar alguma graduação que possa ajudar o povo dele.

Neste dia, a horas de véspera, houvemos vista de terra! Primeiramente dum grande monte, mui alto e redondo; e doutras serras mais baixas ao sul dele; e de terra chã, com grandes arvoredos: ao monte alto o capitão pôs nome  o Monte Pascoal e à terra  a Terra da Vera Cruz. (Carta de Pero Vaz de Caminha ao Rei de Portugal)


Tendo sido o Monte Pascoal o primeiro avistamento de terras brasileiras, este se tornou um importante ponto turístico para a nação. Acredita-se que ali os portugueses desembarcaram inicialmente e tiveram o primeiro contato com os habitantes que aqui viviam, do outro lado do oceano Atlântico. Na época, a área era ocupada apenas pelos Tupinambás, que com o tempo foram desparecendo daquela área, não cabe aqui dissertar os motivos da dispersão dessa etnia. Nesse local foi criado em 1961 o Parque Nacional do Monte Pascoal, com 22.383 hectares de extensão, desses hectares apenas 8.600 hectares são destinados a reservas indígenas da etnia Pataxó, que desde 1861, “quando o governo da Província da Bahia reuniu comunidades indígenas dispersas na região de Porto Seguro em um único aldeamento”. Atualmente o parque é aberto à visitação com cobrança de entrada para os turistas e visitantes, recebendo todo o aparato e infraestrutura que um parque possui como hotel, restaurante e um centro de visitação com a história do Monte Pascoal.
Desde a criação do parque, os Pataxó que viviam naquela terra não puderam mais circular por ela, caçar ou pescar e continuar vivendo ali, já que foi transformada em unidade de conservação e criação do parque. Através de lutas e resistências travadas pelos indígenas, moradores da região, mais tarde alguns hectares foram disponibilizados para reserva indígena, os 8.600 hectares já citados acima. O dia 19 de agosto é um marco importante para os que conseguiram retornar a sua terra lar, a região onde situa o Monte Pascoal.

...conscientes de que o Parque Nacional está dentro dos limites de nossa terra, conforme a história de nossos anciãos, decidimos imediatamente RETOMAR o nosso território, neste dia 19 de agosto de 1999, protegidos pela memória dos antepassados, protegidos pelo direito constitucional [...] pretendemos transformar o que as autoridades chamam de Parque Nacional do Monte Pascoal em Parque Indígena, terra dos Pataxó, para preservá-lo e recuperá-lo da situação que hoje o governo deixou a nossa terra, depois de anos na mão do IBDF, atual Ibama, que nada fez a não ser reprimir os índios e desrespeitar nossos direitos. Queremos deixar claro para a sociedade brasileira, para os ambientalistas, para as demais autoridades que não somos destruidores da floresta, como tem sido proclamado [...] Vamos celebrar os 500 anos em nossa terra, receberemos os nossos parentes de todo o Brasil aqui, no Monte Pascoal, único local possível para construirmos o futuro com dignidade. [...] Mais uma vez pedimos o apoio de toda a sociedade brasileira.” (Carta do Povo Pataxó, 1999)




Segundo Lima (2011), “a chegada  dos Pataxó em Minas é consequência de dois fatos históricos importantes: o primeiro o famoso 'Fogo de 51', caracterizado pela ação violenta da polícia baiana que desarticulou  sua aldeia, dispersando o Povo Pataxó na região de Porto Seguro; e o segundo a transformação de 22.500 hectares de seu território em parque nacional - o Parque Nacional do Monte Pascoal, criado em 1943 e oficialmente demarcado no ano de 1961 - reduzindo nessa extensão o seu território tradicional.”
Pelo espaço limitado reservado para os indígenas, nem todas as aldeias puderam retornar à sua antiga morada. Diante disto, algumas continuaram dispersas em outras reservas indígenas estabelecidas pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI), são cerca de 10 povos indígenas que atualmente habitam Minas Gerais, no total, são 14,5 mil Pataxó em terras mineiras. São reservas como a constituída na Fazenda Guarani em Carmésia, Minas Gerais e agora, a Aldeia Geru Tucunã, no Parque Estadual do Rio Corrente, que luta pela demarcação da terra. 
    Os índios de Carmésia, atualmente, estão divididos em três aldeias: Imbiruçu, Retirinho e Sede. Cada aldeia tem sua escola, tendo uma quadra poliesportiva para uso comum. Apesar de ser, um mesmo povo, uma mesma etnia, cada grupo tem características bem específicas. Na aldeia Sede há uma grande ecleticidade e por vezes a cultura tradicional é mais praticada nos momentos específicos de festejos. Já a Imbiruçu é um meio termo, tentam cultivar as tradições, porém podemos perceber que não há muita resistência aos caprichos da sociedade moderna, há casamentos com não indígenas, por exemplo. Retirinho é aldeia mais tradicional, formada por uma única família, são bem conservadores. Não se misturam e praticam com determinação a cultura e arte pataxó.
Contudo, não haviam apenas estas três aldeias na reserva. Com o espaço territorial pequeno e já bastante explorado, a população da aldeia Alto das Posses, que hoje se tornaram a Aldeia Geru Tucunã, desde julho de 2010, estão estabelecidos no Parque Estadual do Rio Corrente, que fica entre os municípios de Açucena e Periquito, Minas Gerais. “Os grupos familiares constantemente têm reivindicado aumento do território à Funai e ao governo do Estado, o que tem sido negado. Portanto, a movimentação desse grupo, com certeza tem esse objetivo – buscar novo espaço para manutenção de sua sobrevivência física e cultural.” (CIMI, 2010)

Liderados pelo Cacique Bayara, cerca de 60 indígenas na época ocuparam a área. A situação atual de acordo com as notícias veiculadas no site da CEDEFES e nos jornais locais é que a terra ainda não foi demarcada e a comunidade exige melhorias na educação e saúde. A situação piora no que diz respeito aos embates com os posseiros com quem fazem divisa territorial, pois há violação de direitos humanos. As crianças que precisam estudar na escola da cidade sofrem constantemente com o bullying[1], falta de políticas públicas de saúde eficazes, entre outros.










[1] “(...) as crianças são discriminadas na Escola Cristiano Machado, no distrito de Felicina, por alunos e professoras. (...) a diretora da escola onde as crianças e jovens índios estudam (doze, ao todo) teria afirmado que "a escola virou um inferno" depois que os índios se instalaram na região.” (ALMG, 2013)













Referências:


LIMA, Ana Paula Ferreira de. As comunidades indígenas em Minas Gerais. 2011. Disponível em: <http://www.anai.org.br/povos_mg.asp#QUADRO> Acesso em: 27/05/2013
Povo Pataxó quer o Monte Pascoal de volta. Disponível em: <http://www.socioambiental.org/website/parabolicas/edicoes/edicao53/reportag/p03.htm> Acesso em: 15/09/2012
Povo Pataxó comemora 11 anos de retomada do Monte Pascoal. Disponível em: < http://www.torturanuncamais-sp.org/site/index.php/noticias/314-povo-pataxo-comemora-11-anos-de-retomada-do-monte-pascoal> Acesso em: 15/09/2012
Povo Pataxó de Carmésia. Disponível em:<http://www.cedefes.org.br/index.php?p=indigenas_detalhe&id_afro=5275> Acesso em: 15/09/2012
 O primeiro ponto de terra avistado pelos português. Disponível em: < http://ecoviagem.uol.com.br/brasil/bahia/parque-nacional/monte-pascoal/> Acesso em: 24/10/2012
Índios Pataxó ocupam fazenda em Açucena. Disponível em: < http://www.cedefes.org.br/index.php?p=indigenas_detalhe&id_afro=2797> Acesso em: 27/05/2013
Aldeia Geru Tucunã. Disponível em: < http://www.cedefes.org.br/index.php?p=indigenas_detalhe&id_afro=6863> Acesso: 27/05/2013
Comissão busca solução para conflito em Açucena. Disponível em: < http://www.cedefes.org.br/index.php?p=indigenas_detalhe&id_afro=10007> Acesso: 27/05/2013

NOTA:

No post anterior esqueci de comentar, com grande felicidade, que fui entrevistada por um grupo de estudantes de cinema para um documentário. A ideia é documentar as manifestações. As perguntas foram relacionadas ao motivo de nossas reinvindicações: CONTRA A PEC 215 e CONTRA BELO MONTE. Espero que ele seja produzido o mais rápido possível, sendo um importante instrumento ideológico do bem! :)
 

sexta-feira, 21 de junho de 2013

O gigante saiu do comodismo e foi pras ruas protestar!



Muita gente tem usado o lema "O gigante acordou", mas penso o contrário. Desperto ele sempre esteve, apenas era esperançoso. Ficou esperando que alguma coisa fosse feita, que nossos governantes cumprissem o que haviam dito. O brasileiro tem uma esperança dentro de si e carrega no peito aquele velho ditado "a esperança é a última que morre". Passados mais de 20 anos do fim da ditadura e a reestruturação da democracia e mesmo assim, o governo, isento de ações concretas frente as minorias: o brasileiro resolveu se rebelar! Cansou de esperar! Foi pras ruas! Ou melhor, está indo as ruas, pois as manifestações tem acontecido por dias seguidos. E isso é LINDO! Me arrepio só de fazer parte dessa história!

Com muitas queixas e reclamações, o Brasil precisa sim, de uma reforma total. Uma reforma, principalmente nas práticas das políticas públicas! E na consolidação da Constituição e no veto de Inconstitucionalidades!


Pois bem! Lá fomos nós, uma parcela da turma de Especialização em História dos Povos Indígenas e o Indigenismo na Amazônia para a segunda manifestação de "Belém Livre", reivindicar pelos povos indígenas, duas das causas mais urgentes: CONTRA A PEC 215 (ver post anterior) e CONTRA BELO MONTE. Não estávamos sozinhos na questão BELO MONTE, na PEC 215 sim, o que demonstra que é necessário vincular mais na mídia sobre!


Resumo da Manifestação:

Pacífica, saímos da Basílica, no Bairro Nazaré rumo a Prefeitura, Cidade Velha. 
Parada em frente a TV Liberal, filiada da Rede Globo: Vaias e Gritos de Guerra: "ei Rede Globo, o povo não é bobo", etc.
A chegada à prefeitura foi conflituosa, como era de se esperar. Quando o prefeito Zenaldo apareceu para falar com a população, pedras, calçados, cocos e bombas foram jogados contra o prefeito. Muitos manifestantes (?) saíram presos.


Relato da militante Heliane Abreu (Coletivo Juntos), no facebook:
"O que mais me indigna é ver que nós fomos tratados como bandidos pela PM. Na verdade, nem me surpreendo, já que no fundo eu já tinha a ideia de que em algum momento eles iria entrar em confronto conosco. Hoje tivemos uma parcela de pessoas que tentou a todo custo tumultuar o protesto. Infelizmente, essa parcela conseguiu. Porém, nada justifica a forma como a PM tratou os demais manifestantes que estavam ali PACIFICAMENTE protestando pelos seus/nossos direitos. 
Durante várias vezes, quando o tumulto estava começando, nós sentamos no chão e ficávamos bradando: SEM VIOLÊNCIA! SEM VIOLÊNCIA!
Bom, se há um lado bom nisso tudo é ver aquelas milhares de pessoas que estavam ali abriram, definitivamente, os olhos para o tal governo que se dizia "pacifista" e estava todo solicito com o movimento, o Sr. tucano Zenaldo Coutinho. 
Este mesmo Sr. é do mesmo partido que foi o executor do Massacre de Eldorado dos Carajás. 
Agora Zenaldo, te prepara! Porque os protestos...Eles só irão aumentar. Amanhã seremos MAIORES!
Deixo a minha solidariedade a todos os companheiros feridos ou atingidos pelo gás que deixou muita gente desesperada por não conseguir enxergar. E vamos adiante. Agora, mais do que nunca, é dada a hora de sairmos as ruas!"

terça-feira, 18 de junho de 2013

Entenda a PEC 215 e porque você deve dizer não!


Como dito no post anterior:

Todos os direitos estabelecidos pela Constituição de 1988, que provavelmente sendo considerados “demais” pelos governantes, aos poucos vão sendo “ressalvados” ou criam-se Emendas Constitucionais que regridem todos os progressos que conseguimos. Grande exemplo é a PEC215, que estabelece “ao Congresso Nacional a demarcação e homologação de terras indígenas, quilombolas e de áreas de conservação ambiental, que conforme a Constituição Federal são atribuições do Poder Executivo” (Santana,2013).

Diante disso, esclarecendo alguma dúvida ou outra, ressaltarei algumas afirmativas minha e dos companheiros de luta contra essa Emenda Constitucional totalmente inconstitucional!

• Desde a promulgação da Constituição de 1988, o governo tinha 05 anos para demarcar TODAS as terras indígenas. Ou seja, até 1993, esse assunto deveria ter “dado por encerrado”. Digo “encerrado” porque, diante da necessidade do aumento da reserva a mesma deve ser cumprida. Pois bem, se até hoje o Executivo juntamente com a FUNAI não cumpriu o prazo estabelecido e morosamente e após muitos enfrentamentos as demarcações vão sendo feitas, imagina como será quando esse papel passar também pelo legislativo? Nota-se que a bancada LATIFUNDIÁRIA cresce cada vez mais! Podemos afirmar que fazendeiro não vai querer “dar”[1] terra pra índio...

“Se com a Funai já está ruim, imagina com deputado que não entende nada de índio e está cheio de interesses. Somos contra por isso. Deputado fazendeiro não vai votar pelo índio. Isso não está direito. Vamos fazer manifesto grande. O governo já não respeitou com Belo Monte e agora nada fez contra essa PEC. Vamos ter é que trazer os guerreiros”, Apuiu Mama Kayapó, do Pará.

“Essa PEC é movida por interesses econômicos dos ruralistas, que não são melhores e mais eficientes que a vida e costumes desses povos que possuem direitos sobre a terra. Garantir tais direitos é uma questão de soberania nacional”, deputado Evandro Milhomen (PCdoB/AP).

“Em verdade, essa PEC deveria ser arquivada. Ela atenta diretamente contra o direito desses povos, que aqui estavam antes da formação do Estado. A proposta é flagrantemente inconstitucional porque invade a competência do executivo”, Alessandro Molon (PT/RJ).

• “Ao prever a criação de mais uma instância no procedimento administrativo de regularização fundiária de terras indígenas, tornará mais complexo e moroso o processo de reconhecimento dos direitos territoriais dos povos indígenas – se não significar sua paralisia –, com graves consequências para a efetivação dos demais diretos desses povos, como, por exemplo, garantia de políticas de saúde e educação diferenciadas, promoção da cidadania e da sustentabilidade econômica, proteção aos recursos naturais, entre outros”, Funai.

“Nós, bispos do Brasil, reunidos na 51ª Assembleia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil-CNBB, em Aparecida-SP, de 10 a 19 de abril de 2013, manifestamo-nos contra a Proposta de Emenda Constitucional 215/2000 (PEC 215), que transfere do Poder Executivo para o Congresso Nacional a aprovação de demarcação, titulação e homologação de terras indígenas, quilombolas e a criação de Áreas de Proteção Ambiental. Reconhecer, demarcar, homologar e titular territórios indígenas, quilombolas e de povos tradicionais é dever constitucional do Poder Executivo. Sendo de ordem técnica, o assunto exige estudos antropológicos, etno-históricos e cartográficos. Não convém, portanto, que seja transferido para a alçada do Legislativo.”
 

Saiba mais:



 
SAIBA COMO ESTÁ O ANDAMENTO:




[1] Todos os grifos possíveis, pois demarcação de terra é direito e não caridade!

Direito e Antropologia: "Conhecer para saber fazer"!


            De início, “convém lembrar que o direito sempre se apresentou como ‘universal’, ‘abstrato’ e, portanto, ahistórico” (Neto, 2007). Responsável por direcionar as condutas individuais e coletivas, o Direito sempre buscou manter uma neutralidade diante dos conflitos e sujeitos de direito. Contudo, por muito tempo este mesmo sujeito de direito tinha um perfil: “homem, adulto, branco, proprietário e são” (Duprat, 2007). Eliminando-se assim grande parte da população: negros, mulheres, indígenas e comunidades tradicionais como os quilombolas, seringueiros, ribeirinhos, entre tantas outras.

            Atentando-se as sociedades indígenas, desde os tempos da colonização, estas são menosprezadas e marginalizadas. Políticas indigenistas abusivas e que inferiorizavam o homem indígena sempre foram legisladas de forma natural e muito tranquila pelos governantes. A escravização indígena, pouco comentada e muito sonegada até os dias atuais, foi uma realidade profunda e terrível, com uso de “guerras justas” para justificar tais atos vis. A colonização ao contrário do que é descrito nos livros didáticos, foi construída sim, com o uso de muito trabalho e escravo, de muitos povos indígenas subjugados a tirania portuguesa. “Contraditória, oscilante e hipócrita”, para Perrone-Moisés(1998), esses são os adjetivos das políticas indigenistas coloniais, que poderíamos dizer que se apresentam até hoje.

            Assim sendo, este “caráter ineficaz ou francamente negativo das leis” (Pérrone-Moisés,1998) perdurou durante todo o século XIX. As políticas indigenistas não melhoraram em nada. Pelo contrário, na Constituição de 1824, para se ter uma ideia, não há nenhuma menção sobre os povos indígenas, deixando sob responsabilidade das províncias legislarem sobre essas comunidades. O que não é preciso ser nenhum estudioso da história para imaginar que foi um caos generalizado. Principalmente por dois fatores: primeiro, a questão agora era de terras e não mão-de-obra como anteriormente e, segundo, o século XIX é completamente heterogêneo. Este século começa no final da colônia, passa pelo império e termina no começo da república velha.

            Vale ressaltar que até a Constituição de 1988, sempre tutelados pelo governo, os povos indígenas continuamente foram taxados de incapazes e infantis, sendo papel governamental integrá-los a sociedade.

            Na República Velha, “preocupados” com os povos indígenas, a criação do SPI[1] vem para trazer alguma solução ao que fazer com estas comunidades. Menos agressivo teoricamente, era responsabilidade do órgão federal “dar-lhes condições de evoluir lentamente a um estágio cultural e econômico superior, para daí se integrar a nação” (Gomes, 1991). Mesmo passados, na época, 430 anos, o conceito de “selvagem” e pueril do indígena, ainda persistia.

            A criação da FUNAI na ditadura militar veio para “resolver a questão indígena de uma vez por todas” (Gomes, 1991). Bem, podemos perceber que isso não aconteceu. Nem para o mal, nem para o bem. Talvez o único papel da FUNAI em tempos ditatoriais foi estabelecer que as terras indígenas, que antes teoricamente, eram deles, passavam a ser um bem da União. Ordem que vale na atual Constituição de 1988.

            Pois bem, século XX, Guerras Mundiais, Ditaduras. Podemos resumir esse período em duas palavras: conflito e revolução. O mundo vive uma reviravolta de embates, tensões e manifestos. Movimentos esquerdistas, minorias marginalizadas, vão à luta! Dessa forma, após tantas mobilizações, Declarações, Convenções e Constituições foram estabelecidas “na tentativa de estabelecerem políticas pertinentes e respeitosas” (Beltrão, 2008).

            No Brasil, a promulgação da Constituição de 1988, a que estabelece nossas diretrizes vigentes é um exemplo de reconhecimento às minorias por tanto tempo marginalizadas. Ou poderia dizer: Sempre? Ainda?

Inovadora, suas políticas pautam na inclusão e reconhecimento da multiculturalidade brasileira. Ou seja, assume que dentro do Brasil há Brasis com diferentes olhares, pensamentos, crenças, lógicas. Diferentes culturas! Povos “que o direito preexistente à Constituição de 1988 não os contempla; ao contrário, sequer se apresentavam sujeitos em face dele” (Duprat,2007).

Assegurada a pluriculturalidade brasileira em sua Constituição, entende-se que as particularidades culturais e etnológicas sejam levadas em consideração nos desdobramentos jurídicos. E o que vemos, infelizmente é o oposto disso. Vemos operadores do direito despreparados, esquecendo-se que o Direito, com suas raízes puramente culturais, devem zelar pelo coletivo e pela pluriculturalidade, pois é Constitucional. Está lá em nossa Constituição! Nós conseguimos!

Deve ser levado em conta, que as comunidades indígenas possuem também sua forma de ver o Direito e possuem seu próprio direito. Possuem sua lógica, seus regulamentos, sua política e costumes e agora, finalmente, constitucionalmente, estes parâmetros serão ou deveriam ser levados em consideração!

É aí que vem a grande importância da Antropologia, que tem como papel fundamental compreender as particularidades dos diferentes sistemas culturais. Essa compreensão é importante para que os operadores do direito possam cumprir seu papel de maneira exata e justa. Distanciando seu olhar sempre tão etnocêntrico, e aproximando-se de um ponto de vista mais pluricultural. É necessária uma maior sensibilidade dos operadores do direito que a Antropologia saiu das discussões acadêmicas para a praxi jurídica. E ela é crucial para o reconhecimento e a concretização das definições constitucionais brasileiras. O direito deve dar o direito do direito a todos e não continuar a reduzi-lo a um grupo minoritário dominante. Isso agora, felizmente, é inconstitucional.

Para concluir, infelizmente, todos os direitos estabelecidos pela Constituição de 1988, que provavelmente sendo considerados “demais” pelos governantes, aos poucos vão sendo “ressalvados” ou criam-se Emendas Constitucionais que regridem todos os progressos que conseguimos. Grande exemplo é a PEC215, que estabelece “ao Congresso Nacional a demarcação e homologação de terras indígenas, quilombolas e de áreas de conservação ambiental, que conforme a Constituição Federal são atribuições do Poder Executivo” (Santana,2013).


 
Referências Bibliográficas

BELTRÃO, Jane Felipe. Diversidade cultural rima com Universidade(s) ou conversa propósito de conviver e construir. EdUFPA, Série Aula Magna, No. 4, Belém, 2008.
 
CUNHA, Manuela Carneiro da. Política Indigenista no Século XIX. In:_______ (org.) História dos Índios no Brasil. 2.ed. São Paulo: Companhia das Letras/Secretaria Municipal de Cultura/FAPESP, 1998.

DUPRAT, Deborah. O direito sobre o marco da plurietnicidade/multiculturalidade. In: DUPRAT, Deborah (org). Pareceres jurídicos: direitos dos povos e comunidades tradicionais Manaus: UEA, 2007.

GOMES, Mércio Pereira. Os Índios e o Brasil. 2ª Ed. Petrópolis: Vozes, 1991.

PERRONE-MOISÉS, Beatriz. Índios livres e índios escravos: os princípios da legislação indigenista do período colonial (séculos XVI a XVIII). In: CUNHA, Manuela Carneiro da (org.). História dos Índios no Brasil. 2.ed. São Paulo: Companhia das Letras/Secretaria Municipal de Cultura/FAPESP, 1998.
 
MACHADO, Almires Martins Machado. Demarcação e conflitos: de sonhos ao oguatá guassú, a extensa caminhada em busca da(s) terra(s) isenta(s) de mal(es). In: Antropología & Derecho/CEDEAD, 2012.
 
NETO, Joaquim Shiraishi. A particularização do universal: povos e comunidades tradicionais em face das Declarações e Convenções Internacionais. In: NETO, Joaquim Shiraishi (org). Direito dos povos e das comunidades tradicionais no Brasil: declarações, convenções internacionais e dispositivos jurídicos definidores de uma política nacional. Manaus: UEA, 2007.

SANTANA, Renato. Disponível em: <http://www.inbrapi.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=167:pec-215-e-aprovada-mas-movimento-indigena-segue-mobilizado-contra-proposta&catid=35:noticias&Itemid=62> Acesso em: 18/06/2013.


[1]  Serviço de Proteção aos Índios. Criado em 1910 como Serviço de Proteção aos índios e Localização de Trabalhadores Nacionais e, extinto em 1967.

quarta-feira, 12 de junho de 2013

Raça, conceitos, Nietzsche e outras peripécias

 
 
Ao terminar a leitura do artigo de Guimarães, não pude deixar de me remeter a um estudo que me provocou bastante. Nietzsche sempre me encantou, desde seu Ecce Homo, o primeiro que li dele, apesar de ter sido o último publicado, e todos os outros livros deste grande filósofo que tive a oportunidade de ler, me trouxeram inquietações. Contudo, o estudo que me refiro não é do próprio, mas de Moisé(2005) que nos desmistifica toda a grande política da linguagem na visão do filósofo. Para ele todos os conceitos e signos não passam de uma negação da vida pela ideia, “o mundo, tal como se apresenta aos seres humanos, é pura transformação, e nenhum conceito capta tal maneira de existir”(Moisé, 2005).
 
No entanto, o que o artigo representa é uma enxurrada de conceitos em que o próprio homem se encarcerou, onde a vontade de nivelamento e a medo da pluralidade, o faz procurar subterfúgios em definições linguísticas e simbólicas, que desde o princípio a relação com os signos foi marcada por uma vontade de verdade. Pois é isso, para Nietzsche que define o homem, a linguagem, a capacidade de produzir conceitos com base nas“esquematizações das impressões” e é através desses conceitos, desta linguagem que os sistemas são mantidos, principalmente os de leis, de castas e os de (por que não dizer, para adentrar na discussão?) “raças”.
 
Já não bastasse a criação dos conceitos, o homem, por sua vez, acadêmico, cientista social, o dividiu em duas categorias: o conceito analítico e o conceito nativo.
 
O conceito analítico podemos entender como o próprio conceito acadêmico, onde será utilizado para analisar determinados fenômenos das relações sociais. Ele terá “sentido apenas no corpo de uma teoria”(p.63), que poucas pessoas terão acesso, além dos próprios acadêmicos. O conceito nativo, já é o conceito do mundo prático, efetivo, real. O conceito vivenciado pelas pessoas comuns, as próprias pessoas e relações do grupo que possivelmente poderá ser pesquisado.
 
O autor da prosseguimento a explicitar cada conceito sociológico estabelecido, seja analiticamente ou nativamente, como de nação, classe, comunidade, etc. Julgo não ser necessário, abster-me em descrevê-los aqui, mas fazer considerações importantes sobre certas assertivas de Guimarães. Principalmente pelo conceito mais evidenciado.
 
A trajetória que o termo raça vai seguindo pela história é tortuosa e infindável. Por vezes é classificatório, por outras pejorativo e também podemos encontrá-lo em situações ‘ufanistas’. Através dessa viagem pela transvaloração conceitual do termo, nos é afimado mais uma vez quão transitório são os significados e símbolos. Nietzschianamente falando, a linguagem e seus signos tem por princípio já o esquecimento, pois “a função da palavra é esquecer”. É se adequar as necessidades das relações humanas. E nessas relações humanas podemos subentender, se não evidenciar claramente, as relações ideológicas.
 
A ideologia, grande instrumento cultural de dominação, está por trás de toda a manipulação do conceito. Herman(1999) em seu livro analisa o idéia da decadência ocidental, principalmente por um grande preceito: a rejeição a civilização. E como se daria essa rejeição? Simples, através de estudos científicos em que comprovaria que não só os animais não humanos poderiam ser classificados por espécies e subespécies, mas também o animal Homem. Nesse sistema classificatório é que surgem brutalidades aceitas contra centenas de populações em que o único crime eram se enquadrar em conceitos pré-estabelecido pelos acadêmicos e estudiosos da época.
 
Ainda hoje, a discussão sobre se pode ou não falar em raça parece eterna e incessante, como também por vezes, carregada de valores pejorativos e justificativas hipócritas ou não para muitos conflitos sociais, seja para bem ou seja para o mal. Como demonstrado por Guimarães, militantes brasileiros em prol da cultura e ascendência negra chegam a afirmar claramente, que sua cor[1]é parda, mas sua raça é negra. Nos EUA, o sistema do censo classificatório ainda se diz em raça, ‘criando’ raças como latino e oriental.
 
E não seria qualquer raça, todas elas uma invenção? Concordando com Nietzsche mais uma vez, o poder do intelecto não está na simples dominação e sim na crença de que domina, e é através das invenções signatárias que construímos que vamos dominando e sendo dominados. Projetamos aquilo que gostaríamos de ser ou imaginamos que somos nas coisas, nos conceitos, na linguagem. O homem tem a necessidade de “esquematizar, simplificar, traduzir a pluralidade e a função do conhecimento é traduzir o desconhecido em conhecido”(Moisés, 2005).
 
Infelizmente, o homem nem sempre traduz, simplica ou conceitua de forma a perceber no outro a igualdade, a liberdade e a dignidade, tendo amor ao próximo. De toda e qualquer forma, depois da trágica Segunda Guerra Mundial e todas as perdas populacionais, o mundo tem pensado mais no SER humano, repensado nos seus conceitos e principalmente, nos seus pré-julgamentos. Pelo menos, em suas conveções, constituições e leis, os países tem estimulado muito o respeito as diferenças culturais. O que falta são os operadores do direito colocarem cada vez mais em prática essas determinações.
 
Para finalizar, penso que o termo Raça por deveras é ultrapassado. Posto que vivemos em um mundo puramente conceitual, outros poderiam cumprir bem esse papel. Falar em povo, etnia, ascendência, até mesmo nação soa bem mais magnânimo, pois exalta o ser e sua origem e não o classifica.

Referências Bibliográficas
GUIMARÃES, Antônio S. A. Raça, cor e outros conceitos analíticos in SANSONE, Livio, PINHO, Osmundo Araújo (orgs). Raça: novas perspectivas antroplógicas- 2 ed. rev. Salvador : Associação Brasileira de Antropologia : EDUFBA, 2008.
MOISÉ, Viviane. Nietszche e a Grande Política da Linguagem.Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,2005HERMAN, Arthur. A ideia da decadência da história ocidental. São Paulo: Editora Record, 1999.





[1] Guimarães atêm-se também a discutir sobre cor, mas para não ser muito extensa, explicitarei apenas o necessário, que é: cor é o termo classificatório mais utilizado pelo censo hoje no Brasil. Vem da ideia lá de 1950, em que “somos todos brasileiros e por um acidente temos diferentes cores”(p.72), mas não se fala em raça, “esta não existe, quem fala em raça é racista”(p.72).

terça-feira, 11 de junho de 2013

A cosmovisão indígena.


Geertz (1978) já  se dedicava a entender a conciliação da unidade biológica humana e a grande diversidade cultural da espécie humana. Laraia (2009) discorre que desde antes de Cristo as pessoas já percebiam e tentavam compreender como eram diferentes e particulares os diversos povos espalhados pelo mundo afora. Viveiros Campos (1996) em seu ensaio sobre o Perspectivismo e Multinaturalismo dos ameríndios da amazônia, não tenta se não alcançar a cosmovisão destes povos tão diacrítica da branca ocidental. Esta percepção da Multiculturalidade humana, ou seja, temos uma só natureza, determinada biologicamente e nos dividimos em várias culturas, é uma tarefa simples. Nas sociedades modernas, não-indígenas concebemos o conhecimento do multiculturalismo, mas conceber o conhecimento da não dissociação Natureza-Cultura nos parece  intrigante e por vezes impossível, entretanto acontece nas sociedades indígenas, pré modernas e atuais.
 
O autor da pesquisa, contando com um extensa bibliografia de diversos teóricos e estudiosos da área, nos discursa sobre a profundidade e a complexidade da cosmologia na América Indígena. Para alcançar esse entendimento, primeiramente, é preciso despir-se de toda “ocidentalidade” que nos orienta e embarcar num tão intímo e, porque não dizer, misterioso modo de ver e compreender a vida e tudo que a rodeia.

Academicamente falando a cosmovisão indígena recebe um nome. A “qualidade perspectiva” ou “relatividade perspectiva” não é simplesmente um fato ou um objeto cultural a ser nomeado. Para o indígena é como o mundo funciona. O mundo é. O mundo e todos os seres que o habitam e que habitam os outros mundos tem uma alma e essa alma é essencialmente humana. A essência é a mesma, é humana, os corpos que variam. E mesmo assim, há uma rede de co-relações e relações entre todos os seres, humanos e não-humanos. Para resumir esse pensamento quase filosófico, poderíamos dizer em uma afirmativa que “há sempre uma animalidade implicita no ser humano e há sempre uma humanidade implicita no animal” (Machado, 2013).

Pois bem, o indígena não separa a Natureza da Cultura e todos os seres possuem sentimentos, vontades, crenças e rituais. Ou seja, toda a Natureza vive sua Cultura, seja ela gente, seja ela animal ou, até mesmo, seja ela espiritual. Todos os seres possuem sua cosmovisão, tem capacidade de atribuir símbolos e significados, tem seus rituais.

Um grande exemplo simbólico é a caça, tanto para os humanos e não humanos ela é valorizadíssima em suas cosmovisões. Da mesma forma que o caçador vê sua caça como presa, a sua caça também o vê desta forma. Neste momento, o que se dá não é a subjugação de um animal por um homem, mas um conflito sujeito-sujeito em que ambos tem de lutar por suas vidas. Entretanto, por mais que essa “guerra” seja permanente, não é imprudente a ponto de se caçar além do necessário. Isso seria injustificável. A caça tem símbolos e significados compatíveis com o pensamento indígena de estar em sintonia com a natureza (pode-se entender espíritos da natureza).

O mundo indígena, de fato, contraria todas as assertivas de White (1972), em que nos confirma que o homem somente é o único animal que possui a inteligência de produzir e viver em um universo simbólico. No entanto, na cosmovisão multinaturalista indígena “os animais utilizam as mesmas categorias e valores que os humanos” (p.239), o que muda é o ponto de vista, o perspectivismo.

Mas todo esse conhecimento e aptidão para perceber o mundo com este formato surge de onde? Como todas as construções culturais, os indígenas possuem mitos e crenças que antecedem a criação do mundo. E vão além. Em todos eles, todos os seres humanos e não-humanos estão presentes, se relacionando. Há também os mitos que contam como os animais foram perdendo os atributos humanos e como os “mundos” se dividiram, pelo menos a um primeiro momento. Porque mesmo em “mundos” diferentes, há quem possa fazer a grande conexão entre eles, a partir daí entra um personagem importantíssimo nas crenças ameríndias: o pajé ou xamã.

São eles, pajés ou xamãs, que através de seus dons e rituais, irão continuar este contato direto com todas as outras almas de todos os mundos. Yamã (2004) em sua pesquisa sobre a sabedoria da religião antiga dos Mawês, a Urutópiãg, demonstra e nos preenche com um vasto acervo de muitas das crenças desses povos. Podemos perceber o relacionamento intenso entre as pessoas e os seres espirituais, sejam eles em forma de espírito ou em forma de bicho. A dinâmica da transformação e metamorfose está presente em todos os mitos, desde a criação do mundo aos rituais da pajelança. Essa sabedoria religiosa Mawê não difere dos outros povos. A metamorfose, a transformação do bicho em gente, de gente em espírito, espírito em bicho ou gente, é imprescindível pra compreensão de mundo indígena.
 
          Outro ponto considerável abordado por Viveiros de Castro é o Etnocentrismo. Tal conceito em qualquer grupo cultural existe, mesmo que ele não seja formulado expressamente. Portanto, não seria diferente entre as populações indígenas sulamericanas. Só pelo fato de em suas autodenominações constarem adjetivos como “gente de verdade”, já demonstra uma notável superioridade em relação a outras etnias. 

 Contudo o autor nos alerta que o termo certo para tal pensamento, no caso indígena, não seria o Etnocentrismo, mas se não o Cosmocêntrismo. Para ilustrar tal proposição ele se utiliza de uma anedota transcrita por Lévi-Strauss em que, enquanto o europeu tentava entender se o indígena tinha alma, o indígena o afogava e esperava que o corpo putrefasse para saber se o espírito tinha corpo. Enfim, essa visão sociocósmica, estende o espírito a muitos seres, mesmo os que não tem um corpo físico, facilitando assim uma compreensão de mundo muito mais simples e saudável. Onde natureza e cultura podem viver simultaneamente sem prejudicar um ao outro, melhor refletindo, sem que o ser humano destrua a natureza. Apesar de que é a Humanidade o fundamento natural, significativo e prestigioso de todas as coisas e seres, “a condição comum aos humanos e animais é a humanidade (...) (é a) forma geral do sujeito”(p.237).

 Para concluir, poderíamos dizer que compreender a cosmovisão do outro deve ser sempre uma tarefa livre de prejulgamentos e hostilidades. O universo cultural que ronda cada povo, cada nação, cada etnia, deve ser visto com todo respeito e a certeza de que o mundo é bem maior, mais complexo e porque não dizer, muito mais lindo com todas essas particularidades. E que todo contato “hibridizante” transformador deveria provocar uma forma cultural ainda mais bela. Uma troca de saberes para melhorar cada vez mais o próprio mundo, diferente do que outrora e ainda hoje, infelizmente, acontece.

 

Referências Bibliográficas

CASTRO, Eduardo Viveiros de. Perspectivismo e Multinaturalismo na América Indígena. Mana, Rio de Janeiro.v.2n.2. p.225-254, 1996.

GEERTZ, Cliford e GEERTZ, Hildred. Kinship in Bali. Chicago: University of Chicago Press. p.33

LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. 24ª ed. Rio de Janeiro. Jorge Zahar Ed., 2009. p.10-16.

WHITE, Leslie A. O conceito de Cultura. Rio de Janeiro. Contraponto, 2009.

Sobre o etnocentrismo.



            O capítulo analisado da produção de Rocha (1980) é um panorama geral do que é o etnocentrismo. De maneira simples, poderíamos compreendê-lo resumidademente da seguinte forma: “nosso próprio grupo é tomado pelo centro de tudo” (p.07).

            Contudo, o etnocentrismo vai muito além da clara supremacia que uma cultura tende a estabelecer sobre a outra. Atitudes etnocêntricas ultrapassam o estranhamento e o pré-julgamento, podendo estabelecer relações conflituosas e repugnantimentes violentas. Como podemos analisar historicamente a brutal colonização das Américas pelos Europeus. Com a concepção de que os povos viventes aqui do outro lado do Oceano eram sociedades primitivas e selvagens, “infantis” na escala de “evolução”, os homens que aqui chegaram não demoraram muito a utilizar-se dessa assertiva para praticar seus atos mais vis e brutais.

            É claro, que o etnocentrismo não é uma característica comum somente a uma determinada sociedade. O etnocentrismo não escapa a nenhum grupo ou etnia, está presente em todas as culturas. E estejam elas onde estiverem, quando houver algum confronto de determinadas realidades, possivelmente haverão conflitos.
 
            Ainda assim, o que o etnocentrismo tem de mais terrível não é a supervalorização da própria cultura e a desmoralização da cultura do outro, mas o agir e pensar de forma a transparecer que o outro não tenha voz e nem vez. Que a voz do outro seja tão insignificante que não valha a pena ser ouvida, não levando em consideração que nenhuma cultura é estática e impassível de assimilar valores do outro. Pelo contrário, as culturas, apesar dos conflitos, estão em uma eterna troca de saberes de significados e valores.

            Inutilmente, o etnocentrismo continua existindo desde os primórdios da civilização e continuará até o fim dos tempos. Digo inutilmente, pois o pré-conceito, pré-julgamento é “é tão eficaz quanto mascar chiclete para tentar resolver uma equação de álgebra”. Afinal, quando estamos julgando a impressão que tivemos de uma realidade e nunca a realidade em si. Pré-conceitos, portanto, são inúteis, pois só temos a representação do real e não o real realmente.

            Felizmente, para tudo que há nesse mundo há também um contraponto. E a ideia que se contrapõe ao etnocentrismo, o autor ao final do texto vem nos ressaltar sobre a relativização. A relativização é “ver que a verdade está mais no olhar do que naquilo que é olhado” (p. 23). Ou seja, despir-se de sua própria visão discriminatória e ao menos tentar compreender o mundo através do olhar do outro. Perceber que a beleza disso tudo, desse mundo todo está nas diferenças, nos vários olhares que o próprio mundo tem.

 

Referências Bibliográficas
ROCHA, Everardo. Pensando em Partir. In: O que é etnocentrismo. São Paulo, Brasiliense, 1980.