sexta-feira, 9 de maio de 2014

A educação como instrumento para a manutenção cultural

1.                INTRODUÇÃO

                Por muito tempo, dizia-se que “índio de verdade” só se encontrava na Amazônia e no restante do país eram índios “misturados”, já estavam em vias de perder sua cultura e identidade. Esse pensamento foi promovido pelo indigenismo (e por certa Antropologia), onde a falsa dicotomia entre “índios puros” e “índios misturados” prevaleceu (Silva, 2005:127). Ainda hoje, esse pensamento prevalece em grande parte da população brasileira que, por sua vez, não tem acesso aos novos estudos e discussões que são promovidos pela comunidade acadêmica.
            As populações indígenas do Nordeste que se viam estigmatizadas por essa linha de pesquisa, atualmente, recebem a devida atenção dos antropólogos e indigenistas. Pacheco de Oliveira (1999) e Secundino (2003) escreveram trabalhos maravilhosos, onde apontam toda a trajetória histórica vivida pelas populações nordestinas e a necessidade de promover a elas um estudo mais aprofundado para que possam ter a garantia de seus direitos e autonomias.
            O maior problema enfrentado pelas comunidades indígenas do Nordeste, decorrente a falta de estudo sobre ao peculiar processo histórico em que estas estão inseridas, é a demarcação de terras. O descaso das políticas públicas indigenistas e o intenso contato com a sociedade não-indígena tem colocado essas populações em um intermitente conflito entre indígena e grandes latifundiários ou empresários do ramo de hotelaria. No caso dos Pataxó por exemplo, “no pensamento dos empresários da região, principalmente nos ramos de hotelaria e turismo, eles deviam tomar as rédeas da Coroa Vermelha, tirar os índios dali e colocar suas moradias bem longe na floresta.” (Grünewald, 2003: 60)
            Nesse universo de populações indígenas nordestinas, a que destacarei no presente trabalho será a etnia Pataxó, grupo indígena que me acolheu e me dedico a estudar. A importância de dar voz a estes grupos que são subjugados e relegados pelas políticas indigenistas, sempre colocados à prova sua identidade, contribui para a luta e resistência vivenciadas por eles. Pois, se as populações indígenas que não recebem questionamentos sobre sua identidade já sofrem com a falta da prática e descaso das políticas públicas, quiçá as questionadas quanto a isso o tempo todo.

Professor de Cultura, Tamarú


2.                A IDENTIDADE PATAXÓ EM QUESTÃO

Giménez (2008) – em seu livro de testemunho pessoal das suas vivências no sul baiano – conta um pouco sobre os Pataxó. Afirma que num primeiro olhar não se via tanta diferença entre um Pataxó e qualquer um dos caboclos da vila[1], entretanto, ao observar mais profundamente em sua convivência, foi possível perceber como os costumes e pensamentos Pataxó eram tão adversos ao dos outros moradores da região.
De fato, pude perceber nos trabalhos produzidos sobre este grupo étnico, a observação da reorganização da cultura Pataxó em alguns aspectos (Pedreira, 2013). Pois, se pegarmos os relatos dos viajantes do período colonial e imperial que caracterizaram os Pataxó, não encontraremos descrições semelhantes aos Pataxó atuais (Cancela, 2007). Pacheco de Oliveira (1997) faz um panorama histórico sobre os processos interétnicos ocorridos na Bahia e os processos de etnogêneses, o autor salienta que antes do século XIX já não se diziam em povos indígenas no Nordeste (Idem:58). Entretanto, sabe-se que o discurso da inexistência de populações indígenas caia (e ainda caem) muito bem em áreas de interesses políticos e econômicos.
Castro (2008) orienta muito bem uma reflexão sobre esse fenômeno da aparente baixa distintividade sociocultural que os grupos nordestinos possuem. Discute a posição que a antropologia geralmente toma em relação aos povos indígenas, com seus conceitos e padronizações. Contudo, todos eles caem por terra quando se tratam das populações indígenas nordestinas – “indígenas nordestinos são um caso específico”. O processo histórico que envolveu esses povos necessita de novos olhares e argumentações diferentes das sempre promovidas pela Antropologia Clássica e a própria História. Pois a reinvenção e ressignificação[2] são processos de lutas políticas, já que o órgão tutor exige das comunidades nativas certos elementos para que sejam reconhecidos e assim conseguirem assistência e principalmente a demarcação de seus territórios. E “a simples substituição de uma teoria da aculturação por uma teoria de etnogênese negligencia uma série de acontecimentos efetivamente vividos” (Castro, 2008:87). A meu ver, o termo etnogênese nos leva a pensar em “nascimento de uma etnia”, entretanto, quase a totalidade dos grupos indígenas que entram na caracterização de etnogênese já existiam, como os Pataxó. A História nos mostra que sim, em alguns momentos omitiram suas identidades como forma de proteção, mas não deixaram de ser o que são, Pataxó.  Felizmente, muitos conceitos predominantes estão sendo superados atualmente (Silva, 2005).
Oponho-me ao discurso de Giménez quando julga a perda da verdadeira identidade Pataxó “em troca de histórias contadas pelos ‘brancos’ e ‘esbranquiçados’ das ONGs indigenistas e do CIMI”[3]. Posso até tentar compreendê-la, mas ao refletir sobre todos os processos históricos passados pelos Pataxó e a leitura de vários teóricos da área, sinto-me na obrigação de discordar. Primeiro, não se perde a cultura. A cultura por ser dinâmica, é manipulada, ressignificada, modificada, mas nunca é perdida (Silva, 2005:118). Segundo, é visível a contribuição dos órgãos não governamentais na melhoria das condições de vida dessa população. Penso até que, se não fosse o apoio dado por elas, os Pataxó continuariam sofrendo um decréscimo populacional considerável. Até quem sabe talvez, infelizmente, fazer jus as premissas e afirmativas de Darcy Ribeiro[4].
Enfim, o apoio dado pelos órgãos não governamentais indigenistas contribuiu muito para a organização política desses grupos. Orientações que nunca receberam ou que deveriam receber dos órgãos oficiais do Governo responsáveis pela questão indígena. Na década de 30, por exemplo, os Pataxó e outras etnias do extremo sul baiano foram relegados e o SPI se manteve omisso diante de suas necessidades. Por volta dos anos 40, um Posto Indígena foi construído, o Caramuru-Paraguaçu (Cunha, 2010:37). Contudo, seu objetivo principal era capturar indígenas para trabalhar nas fazendas da região e promover os propósitos das políticas indigenistas da época, a integração e civilização das populações nativas. O relato a seguir de Dona Maura nos dá uma ideia da situação:

Meus pais moravam na mata, mas um dia o SPI tirou eles da mata; foi quando abriram posto Caramuru-Paraguaçu [...]. Naquela época eles capturavam muitos índios da mata e tratavam de todo jeito. Botaram no meio dos “civilizados”. Eles pegaram os maridos e deixaram as esposas no mato ou pegaram os filhos e traziam sem a mãe, sem o pai [...]. Muitas crianças foram criadas pelo chefe do posto. Muitos morriam também de tristeza, amarrados a um pau e com saudades dos parentes que ficaram no mato.[5]

Neste mesmo período, uma equipe enviada por Getúlio Vargas veio até a região habitada pelos Pataxó para verificar a área que seria fundado o Parque Nacional do Monte Pascoal. O Alm. Gago Coutinho relata o que encontrou na Aldeia Barra Velha:

É desolador o aspecto de miséria do povoado onde passamos a primeira noite [...] temos visto caboclos inteiramente doentes e analfabetos. Na aldeia Barra Velha encontramos uma pequena população descendentes dos tupiniquins. Todo mundo é doente. Uns atacados pelo impaludismo, outros pela verminose.[6]

Porém, Veronez (2008:30) nos dá outro parecer, muito semelhante ao que Mani me disse na Geru Tucunã ao relembrar sua infância em Barra Velha, de que os Pataxó,

Gozavam de certa prosperidade, produziam farinha de mandioca, extraíam da mata cordas de embira, faziam gamelas e colheres de madeira, tiravam a piaçava para vender. No pé do monte Pascoal plantavam banana, café e cacau. Os produtos eram vendidos aos moradores dos pequenos povoados que moravam próximo à região.
A autonomia dessa comunidade foi dramaticamente interrompida quando as primeiras equipes técnicas visitaram a área, estabelecendo contatos para a demarcação do Parque Nacional Monte Pascoal, em 19 de abril de 1943, apoiadas pelo Decreto nº 12.729.

Pois bem, voltando a Gimenez (2008), sobre sua reflexão de que exteriormente pouco se diferenciava um Pataxó de um caboclo sul baiano, contudo carregavam em si, em seu cotidiano, lógica, crenças e costumes particulares. Em conversas informais com Bayara e Mani, respectivamente cacique da Aldeia Geru Tucunã e sua esposa, relembraram seus tempos infantis em Barra Velha, os costumes de se cozinhar na folha de patioba, dormir em jirau, entre tantos outros hábitos mantidos por eles, mas que não se repetiam entre os caboclos da redondeza. Entretanto, o exterior sempre contou muito, infelizmente, e, por conta disso, ao decretar a implantação do Parque Nacional do Monte Pascoal, afirmaram que naquela região não moravam indígenas, mas sim, uns poucos caboclos maltrapilhos, posseiros daquela terra (Sampaio, 2000:36). Assim, a construção do Parque poderia ser efetivada sem problema algum.
Quando Getúlio Vargas assume o poder nos anos 30, começa uma política de nacionalização. Esse novo movimento, buscava sobretudo, dar ênfase e valorizar de maneira positiva o discurso da mistura entre as três raças[7]: negra, branca e indígena. E “para implementar tais tarefas, o governo getulista promove a construção institucional de espaços físicos ou simbólicos” no intuito de “manter uma certa continuidade com o passado, com a tradição.” (Barbalho, 2007:40) Assim, o Monte Pascoal, território tradicional Pataxó, torna-se Patrimônio Nacional pelo Decreto Lei nº 179 de 19 de Abril de 1943 por ser o primeiro avistamento de terra pelos Portugueses quando chegaram às terras que viriam a ser chamadas de Brasil, portanto, justificaria tornar-se um símbolo nacional. Entretanto, para a construção do PNMP[8], uma das exigências era a saída dos moradores indígenas e não-indígenas daquele local. Entretanto, vale citar que o Monte Pascoal se tornou território tradicional dos Pataxó, desde abril de 1861, “quando o governo da Província da Bahia reuniu comunidades indígenas dispersas na região de Porto Seguro em um único aldeamento”[9]. Contudo já em 1788, em uma carta datada de 31 de Julho, o padre Cypriano já relatava que “nas vizinhanças do Monte Pascoal e nas suas fraldas está situada as aldeias do gentio Pataxó, que saem muitas vezes a praia para pescar tartarugas”[10].
Em todo o processo que se deu desde o decreto para a construção do PNMP ao ano de 1951, os Pataxó buscaram seu reconhecimento étnico e demarcação de suas terras. Infelizmente, não foi possível e no emblemático ano de 1951, no mês de maio, ocorre um terrível massacre que promove uma diáspora populacional. Após esse confronto, temerosos com o que mais poderia acontecer, os Pataxó saem de seu território e inicia-se um processo de omissão da identidade. Nesse processo de esquecimento (Pollack, 1989), os Pataxó silenciam-se sobre sua história e sua cultura.
O que me cabe perceber, é que após anos de silêncio identitário e da própria história, os Pataxó perceberam que retomar e revitalizar sua história e significância traria muito mais frutos do que a omissão. O acontecimento de 51 já não é mais apenas um fato na trajetória Pataxó, mitificado a história, ele assume características de narrativas míticas. Assim, manipulando (Silva, 2005:117) suas identidades, revisitando seu passado e ressignificando símbolos, o grupo reafirma seu compromisso diante de toda a sociedade e com eles mesmos.
 
Escola da Aldeia Geru Tucunã, Felicina/MG


3.                 A EDUCAÇÃO ESCOLAR E INDÍGENA PATAXÓ
P- Escola então é importante?
Tururim - É importante. Pataxó com escola não é enganado por branco. Se Pataxó soubesse ler não teria acontecido a desgraça de 1951. Como cacique penso mais no futuro. Devo pensar no futuro do meu povo. Futuro é muito importante. Futuro é igual a passado. Não deve ser desprezado. Se acontecer nova violência povo Pataxó acaba. Isso eu tenho que pensar muito. Por isso eu falo pro meus irmãos; escola, estrada, tudo isso é importante pra Pataxó.
P - Alfredo do que é que vocês mais precisam?
Uma escola para quitoque. Quem geme é quem sente a dor. Só se põe o chapéu onde alcança a mão. Índio é ingênuo, bom, e não sabe bem quando civilizado está enganando. Por isso escola. Tem muito quitoque sem escola, crescendo, e sempre ingênuo. Se índio soubesse ler não teria ido na conversa dos dois homens que vieram do Rio e enganaram o chefe Onório. Índio nem quer lembrar isso, mas veve lembrando.[11]

Por algum tempo, o Fogo de 51, se manteve silenciado, a própria identidade se manteve omissa. Após o triste episódio, dizer-se indígena era temido. Acima de tudo, relembrar e contar as atrocidades vividas naquele infeliz mês de maio doía muito. Ainda dói. Os mais velhos da aldeia costumam não querer dizer sobre o Fogo e quando dizem é uma narrativa cheia de silêncios e reticências. A história também se faz pelo não dito, pelo que não se quer dizer. A memória é seletiva e só seleciona o que julga importante (Pollack, 1989). E os Pataxó compreenderam que recontar a história e vivificá-la é um importante meio de luta e reafirmação étnica. Perceberam que ao se interessar por seu passado e não teme-lo, ajudam a construir um caminho melhor para o futuro.
Para se ter uma ideia, os Pataxó despontam no quesito educação escolar indígena, pois viram que com um ensino de qualidade nunca mais passariam por  situações como a do Fogo. Mais estratégicos e autônomos, os Pataxó tem revitalizado sua cultura, buscando sempre o novo, buscando sempre conhecimento em diversas áreas. Sabe-se que a muitos jovens ingressam ao ensino superior em busca de capacitação para as áreas que não tem tanto domínio.
            Bomfim (2012), em sua tese de mestrado, trabalha o processo de retomada da língua pataxó (patxohã), ou processo de “revitalização da língua”. Ela própria é Pataxó e busca dar “relevância à experiência do povo Pataxó com a escola, ao papel da escola no fortalecimento no ensino de patxohã nas aldeias” (Idem:16) e as motivações da política linguística nas aldeias.
            O crescente processo de escolarização entre os Pataxó também é comentada por Carvalho (2009:518). Os Pataxó perceberam que a escolarização ajudaria em sua organização étnica e política. Veronez (2008) é quem faz um estudo mais aprofundado sobre a importância da escolaridade na manutenção da identidade Pataxó. Ela mostra que:

As lideranças políticas das aldeias compreendem a escola como um meio de conferir capacidade aos estudantes para que estes sejam sujeitos críticos e políticos, e futuramente se tornem os agentes de transformação engajados social e politicamente com as comunidades em que estão inseridos. Uma força sutil de resistência que se faz perdurar na dinâmica e no modo de ser Pataxó.

            Assim, a escola é para os Pataxó um instrumento de luta e resistência na manutenção da cultura e da revitalização da língua patxohã.
 
não é preciso paredes para o aprendizado
4.                CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os Pataxó são um dos grupos do Nordeste que participam/participaram da luta pelo reconhecimento étnico. Como tratei no texto, o termo etnogênese pode soar como “nascimento de uma etnia”, que não é o caso dos Pataxó, pois como a história demonstram sempre estiveram lá e foram até inimigos da coroa.
Entretanto, a revitalização da cultura e a ressignificação de certos elementos surgem no processo atual e peculiar que as comunidades indígenas presentes no Nordeste brasileiro estão inseridos.
A escola é fundamental nesse processo, pois é através dela que conhecimentos tradicionais e ocidentais são transmitidos, auxiliando assim na construção de cidadãos indígenas mais engajados politicamente.

5.                Referências

ARRUTI, José Maurício. Indianidade: etnogêneses indígenas. In: Povos indígenas no Brasil. São Paulo: Instituto Socioambiental, 2006.

BARBALHO, Alexandre. Políticas culturais no Brasil: identidade e diversidade sem diferença. In: _________________ (org). Políticas Culturais no Brasil. Salvador: EDUFBA, 2007.

BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand. Brasil, 2000.

CANCELA, Francisco. A presença de não-índios nas vilas de índios de Porto Seguro? Relações interétnicas, territórios multiculturais e reconfiguração de identidade - Reflexões inciais. In: Espaço Ameríndio, Porto Alegre, v. 1, n. 1, p. 42-61, jul./dez. 2007.

CARVALHO, Maria Rosário de. O Monte Pascoal, os índios Pataxó e a luta pelo reconhecimento étnico. In: CADERNO CRH, Salvador, v. 22, n. 57, p. 507-521, Set./Dez. 2009.

CASTRO, Maria Soledad Maroca de. A reserva Pataxó da Jaqueira: o passado e o presente das tradições. Dissertação de Mestrado do Programa de Pós Graduação em Antropologia Social da Universidade de Brasília. Brasília, 2008.

CUNHA, Elba Monique Chagas da. Sertão, sertões: colonização, conflitos e História Indígena em Pernambuco no período pombalino (1759 – 1798). Dissertação de Mestrado em História Social da Cultura Regional na Universidade Federal Rural de Pernambuco, Departamento de História, Recife, 2013.

DANTAS, Beatriz Gois et. Alli. Os Povos Indígenas no Nordeste Brasileiro: Um Esboço Histórico. In: CUNHA, Manuela Carneiro da. (org.) História dos índios. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.

GIMÉNEZ, Célia Beatriz. Bahia Indígena – Cultura da Nação Pataxó. Bahia: Secretaria Municipal de Educação, Cultura e Esportes, 1995.

_____________________. Fibra Baiana. Campinas, SP: Komedi, 2008.

GRÜNEWALD, Rodrigo de Azeredo. Os Pataxó e os fluxos coloniais. Trabalho apresentado no GT – POVOS INDÍGENAS, coordenado por João Pacheco de Oliveira e John Manuel Monteiro no XXVI Encontro Anual da ANPOCS. Outubro de 2002, Caxambu, MG.

LIMA, Ana Paula Ferreira de. As comunidades indígenas em Minas Gerais. 2011. Disponível em: <http://www.anai.org.br/povos_mg.asp#QUADRO> Acesso em: 27/05/2013
PACHECO DE OLIVEIRA, João. Uma etnologia dos índios misturados? Situação colonial, territorialização e fluxos coloniais. In: Mana,  Rio de Janeiro, v. 4, n.1, abril, 1998.

PARAÍSO, Maria Hilda Baqueiro. Caminhos de ir e vir e caminhos sem volta: índios, estradas e rios no sul da Bahia. Tese de Mestrado em Ciências Sociais, Salvador: UFBA, 1983.

PEDREIRA, Hugo Prudente da Silva. Aldeia Velha, "nova na cultura": reconstituição territorial e novos espaços de protagonismo entre os Pataxó. In: Cadernos de Arte e Antropologia, Vol. 2, No 2, 2013.

Povo Pataxó. Inventário Cultural Pataxó: tradições do povo Pataxó do Extremo Sul da Bahia. Bahia: Atxohã / Instituto Tribos Jovens (ITJ), 2011.

SAMPAIO, José Augusto Laranjeiras.Breve Histórico da presença indígena no Extremo Sul Baiano e a questão do Território Pataxó do Monte Pascoal. In: Cad. hist., Belo Horizonte, v.5, n.6, p. 31-46, jul. 2000.

SANTOS FILHO, Roberto de Lemos dos. Apontamentos sobre o Direito Indigenista. Curitiba: Juruá, 2005.

SECONDINO, Marcondes de Araújo. Dialética da Redemocratização e Etnogênese:          Emergências das Identidades Indígenas no Nordeste Contemporâneo. Disponível em:<http://www.revista.ufpe.br/revistaanthropologicas/index.php/revista/article/view/25> Acesso em: 10/04/2014.
SILVA, Cristhian Teófilo da. Identificação étnica, territorialização e fronteiras: A perenidade das identidades indígenas como objeto de investigação antropológica e a ação indigenista. In: Revista de Estudos e Pesquisas, FUNAI, Brasília, v.2, n.1, p.113-140, jul. 2005.

SILVA, Paulo de Tássio Borges da. A Educação Escolar Indígena no processo de revitalização cultural Pataxó na Escola Estadual Indígena Kijetxawê Zabelê. Caderno de Resumo [do] III Seminário Povos Indígenas e Sustentabilidade: saberes locais, educação e autonomia. – Campo Grande: UCDB, 2009.
VILHENA, Luis dos Santos. A Bahia no século XVIII. Vol. 2. Salvador: Editora Itapuã: 1969.

VERONEZ, Helânia Thomazine Porto. Escolaridade e Identidade Cultural: A construção da educação indígena no Extremo Sul da Bahia. In: Práxis Educacional. Vitória da Conquista, v.4, n.5, p. 27-43 jul./dez. 2008.

RIBEIRO, Darcy. Os índios e a civilização. Editora Vozes Ltda, 1968.

WIED MAXIMILIAN, Prinz Von. Viagem ao Brasil. Tradução de Edgar S. de Mendonça e Flávio P. de Figuereido. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Editora da USP, 1989.







[1] A autora se refere a Coroa Vermelha, uma cidadezinha próxima a Aldeia Barra Velha e a Mata Medonha, territórios tradicionais Pataxó.
[2] Sobre os termos, ver em: BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand. Brasil, 2000.
[3] GIMÉNEZ, Célia Beatriz. Fibra Baiana. Campinas, SP: Komedi, 2008. P.164
[4] Dado como extintos, pelo antropólogo em 1957. Ele afirmava também que até o final do século XX as populações indígenas seriam extintas.
[5] Relato de Dona Maura. In: Comunidade Pataxó-hã-hã-hãe. Índios na visão dos índios. 2004, p. 10.
[6] CASTRO, R. Berbert de (org.). Sob os Céus de Porto Seguro. Salvador: diretoria de Cultura e Divulgação do Estado da Bahia; Imprensa Oficial do Estado, 1940, p. 132.
[7] Grifo por pensar o termo Raça deveras ultrapassado. Posto que vivemos em um mundo puramente conceitual, outros poderiam cumprir bem esse papel. Falar em povo, etnia, ascendência, até mesmo nação soa bem mais magnânimo, pois exalta o ser e sua origem e não o classifica. Disserto melhor sobre esse tema numa postagem em meu blog sobre temática indígena, disponível em: < http://promessasdosol.blogspot.com.br/2013/06/ao-terminar-leitura-do-artigo-de.html >
[8] Parque Nacional do Monte Pascoal.
[9] Povo Pataxó quer o Monte Pascoal de volta. Disponível em: < http://www.socioambiental.org/website/parabolicas/edicoes/edicao53/reportag/p03.htm> Acesso em: 15/09/2012
[10] CARTA do padre Cypriano Lobato Mendes a D. Pedro III sobre a economia da capitania da Bahia. Salvador, 31 de julho de 1788. AHU_ACL_CU_005-01, Cx. 68, D. 13019.
[11] Trecho de uma entrevista feita por um jornalista em 1968 com Seu Tururim , quando este era Cacique, e Alfredo Braz vice-cacique, e ainda estavam lutando para a demarcação do Território Pataxó de Barra Velha. In: BONFIM, Arani Braz. Patxohã, “Língua de Guerreiro”: um estudo sobre o processo de retomada da Língua Pataxó. Dissertação de mestrado do Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Estudos Étnicos e Africanos, UFBA, Salvador, 2012.



sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Indígenas em Movimento!


Quando se fala em Movimento Indígena temos que ter claro o seguinte: se há mais de 300 povos diferentes, não haveria de ser apenas um movimento. Diferentes visões, sistemas jurídicos, valores, podem se chocar e não seguirem uma mesma linha de militância.

Para Baniwa,

“A história dos movimentos indígenas contemporâneos pode ser organizada a partir de períodos e tipos de agências que intermediavam as relações entre os povos indígenas e a sociedade dos brancos.”[1]

Antes eram os órgãos competentes – SPI, FUNAI – que intermediavam as relações entre povos. Hoje, pós-Constituição de 88 com o reconhecimento da capacidade civil indígena, os grupos tem se organizado de forma mais autonôma, através de associações e reforçadas com a ajuda de organizações particulares, não governamentais, pró-índio. Os movimentos indígenas desde então passaram a estar associados aos movimentos sociais que eclodiram ao longo da década de 80, no Brasil. Esses movimentos são importantes para a compreensão das novas políticas indigenistas nacionais, no qual as populações indígenas cada vez mostram sua autonomia na construção de seus próprios processos históricos. Esses movimentos vem destituir a imagem presente até o Estatudo do Índio de 1973, em que eram considerados relativamente incapazes. Além de defender seus direitos com suas próprias vozes.

Os movimentos sociais juntamente com os movimentos indígenas, já conquistaram leis e efetivação de direitos. É o caso, por exemplo, dos que lutam pela proibição da polêmica prática do infanticídio. Religiosos, quase sempre evangélicos, juntamente com indígenas de determinadas etnias que não concordam com a prática do infanticídio tem seu próprio movimento. A aprovação do PL 1057/2007, mais conhecido como Lei Muwaji[2], é o exemplo das pressões exercidas por um desses grupos. Contudo, há os movimentos que lutam para que suas práticas e crenças continuem sendo respeitadas e que haja uma maior autonomia em seu território.
 
 
Assim, Helm[3] afirma que, “a Carta de 1988 (...) reconheceu o direito à diferença. A ideologia da integração constou dos textos anteriores, sendo substituída pelo reconhecimento de que os povos indígenas são distintos (...)”. Portanto, essa pluriculturalidade deve ser levada em conta e principalmente ser compreendida quando observamos os diversos movimentos indígenas que existem atualmente no país. Para Turón, “o protesto indígena continua sendo variado, visto que nem todos os povos indígenas foram subjugados pela mesma força, nem ao mesmo tempo”[4].

“Segundo a pesquisadora (Poliane Soares dos Santos Bicalho), as lideranças indígenas dispensam porta-vozes e passam a falar por si mesmas. Uma mudança que pode ser verificada no aumento das organizações indígenas: Em 1995, uma pesquisa do Instituto Socioambiental revelou a existência de 109 entidades. Em 2001, eram 318. Já em 2009, a pesquisa da UnB encontrou 486 organizações que lutam pelos direitos indígenas no Brasil.”[5]

            Voltando a refletir sobre os apontamentos de Baniwa, uma das maiores dificuldades para as comunidades indígenas hoje é se organizarem de acordo com o modelo burocrático do branco. Ou seja, “os processos administrativos, financeiros e burocráticos”, pelos quais as comunidades indígenas tem de se submeter para a concretização de seus direitos, “além de serem ininteligíveis à racionalidade indígena, confrontam e ferem valores culturais” desses povos “como solidariedade, generosidade e democracia”[6].
 
 
            Todavia, as lideranças indígenas tem mudado seu perfil, antes eram apenas mediadores entre a sociedade indígena e não indígena, hoje, cada vez mais precisam capacitar-se numa educação formal para estar a frente desses processos burocráticos. Para Oliveira, as lideranças indígenas

ampliaram suas funções, tendo hoje uma demanda cada vez mais intensa, não só para divulgar as necessidades de suas comunidades, mas negociar políticas e projetos em áreas específicas (a exemplo de saúde, educação, etnodesenvolvimento, meio-ambiente), inserindo-os na lógica de exigências formais dos projetos, relatórios e prestações de contas do Estado, de ONGs e agências humanitárias internacionais.”[7]

De toda forma, é bom deixar claro que grau de capacitação e educação formal não é item de exclusão na escolha das lideranças. Mas o que podemos perceber é o amadurecimento dessas lideranças, cada vez mais autônomas e, principalmente, mais a frente das defesas de seus direitos, sem intermediários. Fortalecendo assim sua presença no cenário político e nacional.



[1] BANIWA, Gersem. A conquista da cidadania indígena e o fantasma da tutela do Brasil contemporâneo. In: RAMOS, Alcida Rita (org). Constituições Nacionais e Povos Indígenas. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2012. P.207
[2] Uma suruwahá que “decidiu abandonar seu povo para poder manter viva sua filha que sofre de paralisia cerebral. Hoje Muwaji vive na "Casa das Nações", uma comunidade indígena multicultural mantida pela ATINI no Distrito Federal.” Disponível em: < http://www.apmt.org.br/index.php/central-de-noticias/937-lei-muwaji-aprovada> Acesso em: 26/11/2013.
[3] HELM, Cecília Maria Vieira. A Etnografia, a Perícia e o Laudo Antropológico nos processos judiciais. Cadernos da Escola de Direito e Relações Internacionais, Curitiba, 15: 5-17. Vol.1.2009. p.6.
[4] TURÓN, Simeón Jiménez. O papel aguenta tudo. In: RAMOS, Alcida Rita (org). Constituições Nacionais e Povos Indígenas. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2012. P.23
[5] FULNI-Ô, Amazonir. Pesquisa recupera história do movimento indígena no Brasil. Disponível em: < http://www.unbciencia.unb.br/index.php?option=com_content&view=article&id=65:pesquisa-recupera-historia-do-movimento-indigena-no-brasil&catid=16:historia> Acesso em: 23/11/2013.
[6] BANIWA, Gersem. A conquista da cidadania indígena e o fantasma da tutela do Brasil contemporâneo. In: RAMOS, Alcida Rita (org). Constituições Nacionais e Povos Indígenas. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2012. P.219
[7] OLIVEIRA, Kelly Emanuelly de. O Movimento Indígena no Nordeste: novos diálogos na construção da alteridade étnica. Disponível em: < http://www.coletiva.org/site/index.php?option=com_k2&view=item&id=39:o-movimento-ind%C3%ADgena-no-nordeste&tmpl=component&print=1 > Acesso em: 25/11/2013

Afinal, quem são "índios"?


 
 
O debate sobre a identidade étnica indígena, por mais blasê que possa parecer, ainda paira sobre as mentes das autoridades governamentais, acadêmicos e, em especial, sobre grande parte da população não indígena. O imaginário de que o indígena verdadeiro é aquele que vive nas matas, caça de arco e flecha e não possui aparato tecnológico moderno ainda predomina sobre grande parte da população e até mesmo dos governantes. Imaginar que há aldeias urbanas então, parece historinha pra boi dormir. Contudo, um dado interessante é que “quase 50% da população (indígena) não vive em aldeias rurais, mas está nas cidades”[1].

“ A conquista desses direitos, aliada à maior sensibilidade do povo e do governo brasileiros e melhorias dos serviços públicos destinados aos povos indígenas, contribui para o maior crescimento demográfico do segmento indígena, na medida em que muitos indígenas que negavam suas identidades étnicas, para não sofres discrimações e represálias ou até mesmo perseguições, voltaram a assumir o reconhecimento de suas identidades e direitos e lutar por eles.”[2]

            Assim, a grande diversidade de povos indígenas brasileiros contraria todos os  estudos do século XIX e XX em que, antropólogos afirmavam a total extinção dessas populações. Atualmente, cerca de 305 etnias, com mais de 180 línguas, vivem no Brasil. Os últimos Censos tem demonstrado que cerca de 800 mil pessoas se autodeclaram indígenas, pertencentes a alguma etnia ou não.

            Contudo, entre a lei e as boas ideias e a efetivação destas há um grande abismo. Quando enquadrados no que seria o indígena “modelo”- os viventes nos grotões da Amazônia, por exemplo - mesmo com todas as dificuldades para se estabelecer seus direitos constituídos no artigo 231 e 232, – fora os direitos estabelecidos nos tratados internacionais – ainda são levados mais em consideração do que os grupos étnicos “ressurgidos”. Em sua maioria, estes conhecidos como “caboclos” ou “bugres”, vivem a margem da sociedade, quase sempre em periferias, quando em cidades, abaixo da linha da pobreza. São os indígenas “problemas”.

            Os grupos étnicos “ressurgidos” são relativos ao fênomeno que os estudiosos chamam de etnogênese. Termo utilizado para a constituição de “novos grupos étnicos”[3], que vem ressurgindo desde meados da década de 70, especialmente no Nordeste. Entretanto, esses grupos emergentes constantemente sofrem descasos dos órgãos competentes.

“Ilustremos essa resistência da FUNAI através das declarações dos seus próprios diretores. Um presidente do órgão durante os anos 1990 chegou a dizer: ‘não é possível que comunidades pobres do Nordeste pintem a cara e simulem rituais só para serem considerados índios’. E o atual* presidente da FUNAI, Mércio Gomes, seguiu o mesmo raciocínio: ‘há organizações que estimulam comunidades de algumas áreas a reinvindicar a posse de terras sob a alegação de que são índios’.”[4]

Para os antropólogos, grupos étnicos eram aqueles que compartilham valores, formas e expressões culturais comuns. Entretanto, um mesmo grupo étnico poderia sofrer variações dependendo da situação ecológica e social que se encontrasse.[5] Com as contribuições de Barth e outros antropólogos, hoje “grupo étnico é ‘tipo organizacional’ e não ‘unidade de cultura’”[6]. Ou seja, a cultura está para o grupo e não o grupo para a cultura. Com o passar do tempo as relações culturais, valores e expressões podem se alterar, sem que o grupo deixe de sê-lo.[7] Para resumir, antropologicamente falando, os grupos étnicos “são unidades que emergem de mecanismos sociais de diferenciação estrutural entre grupos de interação”[8] e se identificam tal qual. Portanto, todas as coletividades estão em constante mudança e interação, então estabeleceu-se que importa é como o grupo se identifica e é identificado como tal.
 
Indígenas Xukuru em Ritual

A partir da década de 70 e com maior intesidade pós-Constituição de 88, vários grupos reunidos começaram a se autoidentificar como indígenas. Indígenas que nunca deixaram de ser, visto que no período colonial a prática do casamento entre negros e indígenas, indígenas e brancos, era fortemente utilizada, para a miscigenação e integração da pessoa indígena na unidade nacional, como também para a tomada de suas terras, já que “mestiço” para a mentalidade da época – e até hoje em vários casos – não era “índio”.

“Assim como no caso dos índios o Nordeste, os indígenas do médio Solimões são estigmatizados e definidos como misturados devido às suas relações com grupos de variadas origens e posições sociais, inclusive outros povos indígenas.”[9]

 

Essa “mistura” advém de um processo histórico intenso, onde os indígenas, foram aldeados, utilizados como mão de obra, obrigados a falar o português e viver conforme o modelo não indígena. Ou, particularmente, após terem ocultado durante séculos a identidade indígena, já que “ser índio nunca foi bom”[10]. Como também podem ter sido renegadas as políticas públicas e órgãos competentes, sentindo na pele o preconceito e a dor de ser indígena. Caso como o dos Pataxó no extremo sul baiano, a língua Pataxó quase se perdeu quando já no século XX, em 1953, houve um verdadeiro massacre na Aldeia Bom Jardim (atual Barra Velha). Muitos saíram para as cidades e nunca mais voltaram as raízes, os falantes da língua já não ensinavam aos seus filhos pois tinham com eles que ser índio não era coisa boa. Trabalhos intensos tem sido feitos para afirmação e preservação da cultura Pataxó.

Para Cunha[11],

“Os embates legais travam-se geralmente em torno da identidade indígena e aqui o modelo que chamei platônico da identidade é amplamente invocado tanto por parte dos fazendeiros quanto por parte dos próprios índios, forçados a corresponderem aos esteriótipos que se têm deles.”

Ou seja, os direitos só são efetivados quando o indígena, segue o modelo do indígena adotado, até hoje, em pleno século XXI, como o “verdadeiro”. Para que os direitos estabelecidos na Constituição e nos tratados internacionais, como a Convenção 169 da OIT, o índigena é obrigado a acionar sua identidade étnica sempre que vai a luta, ao Senado, em busca de justiça. Pois, sem a paramentação da identidade étnica o grupo não tem voz e nem vez. Na incrível mentalidade dos governantes e da população não indígena, “índio só é índio” se usar cocar, arco e flecha e andar nu. Sem compreender que mesmo que haja outras possibilidades de vivências de culturas, ele não deixa de ser indígena decorrente a quaisquer fatores. Sua cosmologia continua diferente da cosmologia do “branco”, suas tradições e processo histórico também.
 
 

            A importância de saber quem é indígena ou não, não é uma preocupação apenas antropológica, mas também jurídica. Villares[12] afirma que só através dessa identificação é que normas e políticas de proteção poderão ser concretizadas. É preciso conhecer determinado grupo étnico e compreender seus valores e cosmologia para garantir a preservação de sua organização social, tradições, crenças e principalmente direito originário sobre a terra. No entanto entre o que está no papel e a prática é bem diferente.

            Com a ratificação da Convenção 169 da OIT, em 2002, fica estabelecido que  a “consciência de sua identidade indígena ou tribal deverá ser considerada como critério fundamental para determinar os grupos aos que aplicam as disposições da presente Convenção”[13]. Assim tira do Estado a responsabilidade de “classificar” quem é “índio” e quem não é, deixando que a autoindentificação valha. E aí fica a pergunta: Por que, então, o Governo insiste em cobrar deles uma pertença étnica para provar que são indígenas?  Em 2003, no I Encontro Nacional dos Povos Indígenas em Luta pelo Reconhecimento Étnico e Territorial, os indígenas reinvindicam além de demarcação e regularização de suas áreas territoriais, exigiram ser chamados de “índios resistentes” e não “ressurgidos”, “emergidos”, para eliminar o estigma de que são menos índios.

“A tradição legalista e formalista, em especial colonialista de tais funcionários, associada a um forte senso comum sobre o que deve ser um índio (naturalidade e imemorialidade), tem funcionado como sério obstáculo à implementação de tais avanços teóricos e jurídicos.”[14]

            O caso é que mesmo resistentes, ressurgidos, independente do conceito utilizado para designá-los ou até mesmo os indígenas “verdadeiros”, encontram dificuldades para que os direitos essenciais em relação a suas comunidades e a pessoa indígena sejam efetivados. O maior deles é o direito à terra, seja ela tradicionalmente ou historicamente ocupada. De acordo com a Constituição Cidadã de 88 todas as terras seriam demarcadas em até 5 anos e o que vemos é uma lentidão no processo de demarcação e regulamentação dessas terras que se arrasta por mais de 20 anos. Principalmente no início do Governo Lula para cá.



[1] VAZ FILHO, Florêncio Almeida. Identidade Indígena no Brasil hoje. Disponível em: <http://www.alasru.org/wp-content/uploads/2011/12/25-GT-Flor%C3%AAncio-Almeida-Vaz-Filho.pdf> Acesso em: 16/09/2012
[2] BANIWA, Gersem. A conquista da cidadania indígena e o fantasma da tutela do Brasil contemporâneo. In: RAMOS, Alcida Rita (org). Constituições Nacionais e Povos Indígenas. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2012. P.207
[3] ARRUTI, José Maurício. Indianidade: etnogênses indígenas. In: Povos indígenas no Brasil. São Paulo: Instituto Socioambiental, 2006.
[4] VAZ FILHO, Florêncio Almeida. Identidade Indígena no Brasil hoje. Disponível em: <http://www.alasru.org/wp-content/uploads/2011/12/25-GT-Flor%C3%AAncio-Almeida-Vaz-Filho.pdf> Acesso em: 16/09/2012. * informação retirada de LACERDA, Rosane. Povos indígenas – A maior das dívidas. Acessada pelo autor em: 17/09/2006.
[5] CUNHA, Manuela Carneiro da. Índios no Brasil: história, direitos e cidadania. São Paulo: Claro Enigma, 2012. P.106
[6] VAZ FILHO, Florêncio Almeida. Identidade Indígena no Brasil hoje. 2011. Disponível em: <http://www.alasru.org/wp-content/uploads/2011/12/25-GT-Flor%C3%AAncio-Almeida-Vaz-Filho.pdf> Acesso em: 16/09/2012
[7] CUNHA, Manuela Carneiro da. Índios no Brasil: história, direitos e cidadania. São Paulo: Claro Enigma, 2012. P.108
[8] ARRUTI, José Maurício. Indianidade: etnogêneses indígenas. In: Povos indígenas no Brasil. São Paulo: Instituto Socioambiental, 2006.
[9] COSTA E SANTOS, Rafael Barbi e OLIVEIRA E SOUZA, Mariana. “Todo amazonense é índio”: o argumento inclusivo dos indígenas emergentes no médio Solimões. Disponível em: < http://www.mamiraua.org.br/cms/content/public/documents/publicacao/12c9632c-14b2-40eb-8c49-bb9de467f890_santos-e-souza---todo-amazonense-e-indio---o-argumento-inclusivo-dos-indigenas-emergentes-no-medio-solimoes.pdf > Acesso em:27/11/2013
[10] Seu Nilson Pataxó. Aldeia Geru Tucunã. 09/2013.
[11] CUNHA, Manuela Carneiro da. Índios no Brasil: história, direitos e cidadania. São Paulo: Claro Enigma, 2012. P.124
[12] VILLARES, Luiz Fernando. Direito e povos indígenas. Curitiba: Juruá, 2009. p.28
[13] Artigo 1º, 2º páragrafo. Convenção 169 da OIT.
[14] ARRUTI, José Maurício. Indianidade: etnogêneses indígenas. In: Povos indígenas no Brasil. São Paulo: Instituto Socioambiental, 2006.